1967- Duquesne -2017 – O que o Espírito Santo nos pede após 50 anos?

Mas a pomba, não achando onde pousar, voltou para junto dele na Arca” (Gn 8, 9). Esta foi, providencialmente, a primeira leitura do dia 15 de Fevereiro deste ano, primeiro dia do encontro que reuniu em Pittsburg, nos EUA, algumas  pessoas do mundo inteiro que se encontraram para celebrar os 50 anos do famoso “Weekend de Duquesne”, que originou a Renovação Carismática Católica!

Por que o Espírito Santo nos deu essa Palavra na Sagrada Liturgia? Os que conhecem um pouco dos dados históricos desta Corrente de Graças sabem que a casa de retiro que os estudantes da Universidade católica de Duquesne escolheram para o “Weekend”, situada há poucos quilômetros do centro de Pittsburg, num lugar ermo chamado Gibsonia, chamasse “A Arca e a Pomba” (The Ark and The Dove). Adquirida em Dezembro de 2015 pela RCC dos Estados Unidos, a Casa hoje recebeu o apelido de “Home of Baptism in the Holy Spirit” (A Casa do Batismo no Espírito Santo).

O que aconteceu nestes dias em Duquesne? O que o Espírito Santo nos falou? Era isso que imaginávamos? Viemos a Pittsburg para isso? Estávamos preparados? Confesso que eu ainda estou “digerindo” e encontro-me ainda como que “desconcertado”…

Confesso que parei algumas vezes enquanto escrevia este pequeno artigo. Há um certo ponto me lembrei do que Michelle Moran, atual presidente a RCC Internacional, falou-nos agora em Pittsburg, que para entender o que o Espírito Santo deseja falar agora nos Cinquenta anos, ela, pessoalmente, começou a reler os testemunhos dos primeiros dos nossos católicos batizados no Espírito. Foi o que eu fiz também! Reli todo o livro da Patti (a edição do Jubileu, atualizada e ampliada), e percebi, que de fato, nós nos esquecemos de muitos elementos essenciais da nossa origem…

Quem poderia imaginar que no meio daquele contexto conturbado dos anos sessenta, no auge da reviravolta estudantil mundial, quando grande parte dos jovens desejavam mudar o mundo, e no mesmo Estados Unidos, que preparava a geração do Woodstock, que ficaria conhecida pelo sexo, drogas e o rock, Deus levantaria um pequenino grupo de universitários, que com o Espírito Santo, seriam protagonistas e iniciadores de um novo derramar do mesmo Espírito em escala universal, levando milhões de católicos a se relacionarem de modo novo e pessoal com Jesus e a Igreja? 

Como disse o Frei Raniero Cantalamessa, é uma alegria saber que o Evento de Duquesne iniciou a graça de um Novo Pentecostes na Igreja Católica!

Duquesne entrou para as páginas da História da Igreja de nossos tempos! Deus visitou a Igreja Católica poderosamente! O Espírito Santo se utilizou de uma Universidade Católica, dirgida por sacerdotes. Uma Universidade com o Nome Dele: “Universidade de Duquesne do Espírito Santo”. Os padres com o Nome Dele: “Padres do Espírito Santo” (Os Espiritanos). Você sabe o Lema da Universidade? “Spiritus Est Qui Vivificat” (É o Espírito que Vivifica!). 

Vejam! Deus desejou um grande Avivamento Espiritual por meio do Seu Poderoso e Majestojo Espírito no lugar certo e na hora certa! Sim, na hora certa também! A nível mundial, a segunda metade dos anos sessenta foi bem ácida! No contexto do enriquecimento dos países desenvolvidos que começou, justamente, nesta época, o mundo viu uma verdadeira “Revolução comportamental”. Além da difusão das drogas, ganharam espaço a revolução sexual e os protestos juvenis contra os duros governos. A nível eclesial, estávamos, todavia,  na fase de recepção do Concílio Vaticano II (terminado em Dezembro de 1968), e após as surpresas, a novidade, as contestações e o período de euforia, em alguns ambientes já se havia feito a passagem  da primavera ao inverno. Isso mesmo, alguns setores da Igreja falavam de um “Inverno eclesial”. Resumindo: Havia uma forte crise dentro e fora da Igreja!

Um dos maiores teólogos do século XX, Yves Congar, em sua obra “Revelação e Experiência do Espírito” reconheceu a graça desta Renovação: “Certamente, muitas coisas estão em crise, mas quantas iniciativas e generosidade! O movimento da Renovação, iniciado em Pittsburgh, EUA, em 1967, e que ganhou grande amplidão no mundo no seio da Igreja, pertence evidentemente a esta pneumatologia viva. Se há uma experiência do Espírito, ela está bem aí. Ao menos no testemunho dos que participam do movimento. Está aí a resposta a essa expectativa de um novo Pentecostes que o papa João XXIII mais de uma vez evocou a respeito do Concílio”.

David  Mangan, que juntamente com Patti foi praticamente o primeiro a ser batizado no Espírito naquele sábado a noite, testemunha esta verdade ao dizer que     “Também é importante observar que algumas pessoas que participaram do Fim de Semana de Duquesne estavam atravessando períodos de crise. Lembro que alguns estavam pensando em deixar a Igreja e se afastar de Deus”. 

Voltemos a questão principal! O que o Espírito gritou em Pittsburg após 50 anos? 

O Espírito Santo pediu UNIDADE, COMUNHÃO, ECUMENISMO ESPIRITUAL! Deus gritou conosco! Acredito que até nos envergonhamos. Em uma profecia dura e direcionada, Deus nos alertou: “O Corpo do Meu Filho está despedaçado”!

E durante várias vezes no encontro tivemos a mesma direção confirmada: O Espírito quer se utilizar dos carismáticos para reconstrução da unidade do Corpo de Cristo que é a Igreja, e para isto nos pedia a oração comum. Grande parte dos presentes recordaram da histórica Conferência Carismática Ecumênica de Kansas City em 1977, que foi presidida por Kevin Ranaghan, um dos pioneiros da RCC, atualmente diácono permanente. Neste evento inesquecível para os cristãos carismáticos americanos de todas as denominações, esta profecia havia sido praticamente proferida. Na ocasião, no meio de milhares de pentecostais, uma voz foi ouvida: “Venham diante de mim com corações quebrantados e espiritos contritos pois o Corpo do meu Filho está quebrado. Venham a mim com lágrimas e luto porque o Corpo do meu Filho está quebrado! A luz está fraca, meu povo está espalhado, porque o Corpo do meu Filho está quabrado”.

Como disse anteriormente, eu não poderia imaginar que voltaria de Pittsburg com esta espinha na garganta! Como convidado entre os participantes, eu pensei que voltaria ao Brasil com a minha “bagagem carismática” repleta de outros “itens”! Jamais pensei que o Espírito Santo falaria sobre Ecumenismo…

Voltando a releitura dos fatos históricos de nossas origens, apesar de ter sempre defendido (e continuar pensando assim) a RCC dentro do movimento histórico bilenar de avivamento católico e como uma das profecias de Elena Guerra e João XXIII, não posso negar (não podemos) o carácter ecumênico do momento fundante de Duquesne. Os Anos de 1966 e 1967 foram marcados pelo ecumenismo espiritual, o que também resultou, preparou e ajudou o famoso “Fim de Semana de Duquesne”.

Nascida como uma das surpresas e respostas do Espírito imediatamente ao Concílio, ela vem de encontro, de certa forma, a este desejo ecumênico. E quem pode negar o teor ecumênico do mesmo Vaticano II? Foram centenas de observadores protestantes, inclusive pentecostais! O que dizer da presença de David du Plessis no Concílio?

Na verdade, durante a preparação mesma do Concílio, em Junho de 1960, já havia sido criado o Secretariado para a Unidade dos Cristãos, o que possivelmente possibilitou mais tarde, durante as sessões do Concílio, a aprovação do Decreto sobre o Ecumenismo “Unitatis Redintegratio“, reafirmando o desejo da unidade dos Cristãos. 

Não se pode negar que o Concílio Vaticano II foi pensado  pelo próprio Papa João XXIII, também como uma possibilidade de favorecer a aproximação da Igreja Católica com seus irmãos cristãos não católicos. E pensando assim, os pontificados de Paulo VI e João Paulo II respeitaram e promoveram esta mesma direção. Quem pode esquecer do histórico encontro do Beato Paulo VI com Atenágoras? E o Encontro de João Paulo II em Assis?

No prólogo do mesmo Decreto, é muito lúcido o que se Lê como uma das intenções do Concílio: “Promover a restauração da unidade entre todos os cristãos é um dos principais propósitos do sagrado Concílio Ecumênico Vaticano II. Pois Cristo Senhor fundou uma só e única Igreja. Todavia, são numerosas as Comunhões cristãs que se apresentam aos homens como a verdadeira herança de Jesus Cristo. Todos, na verdade, se professam discípulos do Senhor, mas têm pareceres diversos e caminham por rumos diferentes, como se o próprio Cristo estivesse dividido. Esta divisão, porém, contradiz abertamente a vontade de Cristo, e é escândalo para o mundo, como também prejudica a santíssima causa da pregação do Evangelho a toda a criatura” (UR 1).

Portanto, não há dúvida que também o nascimento do Movimento Ecumênico é também obra e iniciativa do mesmo Espírito! A unidade é Obra do Espírito Santo! E os homens e mulheres abertos ao mesmo Espírito, já entenderam que o seu coração é a oração, o chamado “Ecumenismo Espiritual”. O grande teólogo e cardeal emérito Walter Kasper, em seu livro “Guia para uma espiritualidade ecumênica”, conseguiu fazer uma profunda e  necessária relação entre o ecumenismo espiritual e o Espírito Santo ao afirmar que: “Hoje muitos cristãos de várias tradições têm vivenciado uma profunda experiência da presença do Espírito Santo. Como resultado, a oração no Espírito Santo é para eles uma fonte de renovação pessoal e mais profunda pertença ao Corpo de Cristo. Invocando o Espírito Santo, eles se aproximam mais de Jesus Cristo e uns dos outros. Os critérios para o discernimento de uma autêntica obra do Espírito Santo dados por São Paulo (1 Cor 12,14;Gal 5, 22-26) e depois desenvolvidos na tradição espiritual da Igreja, são uma ajuda e uma norma para esses e para todos os cristãos. Com atenção a esses critérios, uma vida de discipulado e oração aberta ao Espírito Santo pode se tornar um meio autêntico de edificação mútua e aprofundar os laços de comunhão entre cristãos”. 

O próprio Catecismo da Igreja Católica diz que A preocupação com realizar a união diz respeito a toda a Igreja, fiéis e pastores. Mas também se deve ter consciência de que este projecto sagrado da reconciliação de todos os cristãos na unidade duma só e única Igreja de Cristo, ultrapassa as forças e capacidades humanas. Por isso, pomos toda a nossa esperança na oração de Cristo pela Igreja, no amor do Pai para conosco e no poder do Espírito Santo ” (n. 822).

Ainda nesta visão de colaboração da RCC para o Ecumenismo Espiritual, é relevante citar um texto da Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso da CNBB também nos explicou: “Em 1967, o testemunho do Movimento Pentecostal impulsionou o início da Renovação Carismática Católica. A Igreja Católica e o Movimento Pentecostal têm tido contato desde então. A influência do novo compromisso ecumênico dos católicos, como parte do movimento ecumênico que o Concílio Vaticano II insistiu que é uma “moção da graça do Espírito Santo” (UR1), ajudou a abrir caminho num diálogo para mútuo respeito e reconciliação entre pentecostais e católicos. […] estamos gratos porque a renovação e o derramamento do Espírito Santo no séc. XX abriram nossos corações e mentes uns para os outros. Acreditamos que, pela providência de Deus, a emergência de movimentos pentecostais/carismáticos, junto com o movimento ecumênico no séc. XX, nos chama a um diálogo entre nossas comunhões, que é espiritual, mas também teológico”. 

Portanto, parece que é notório (até para os que não particpam da RCC) que esta “Corrente de Graça”, pode e deve favorecer esta dimensão de unidade ecumênica com os protestantes, e, principalmente, com os irmãos pentecostais que também costumam fazer a experiência do Batismo do Espírito Santo em seus encontros de oração. Creio que podemos dizer que o fator “Pentecostalidade” pode ser o fator comunhão-aproximação entre católicos e protestantes, como foi o início! Relendo os relatos do início da RCC, parece que nascemos neste contexto de Ecumenismo Espiritual!

Em Janeiro de 1967 (Um mês antes do Fim de Semana de Duquesne), quatro católicos, a convite de um pastor episcopal (William Lewis), foram convidados para participarem de um grupo de oração carismático interdenominacional na casa de um pastor. Patti Manfield, “nossa mãe”, também é grata a esta mesma mulher que se chamava Flo Dodgle, uma presbiteriana batizada no Espírito em 1962. 

Esta mesma senhora intercedeu por todo final de semana e também dirigiu a eles uma palavra durante o retiro. Seis meses mais tarde, este grupo de oração se desfez e os nossos católicos começaram a se reunir em suas próprias casas e no campus de três universidades americanas: Duquesne, Notre Dame e Estadual de Michigan! Foi a partir daqui que a Renovação, recém-nascida, começou a se espalhar para o mundo!

Nas primeiras reuniões em Março de 1967, também entre os nossos primeiros estudantes católicos batizados no Espírito, estavam irmãos evangélicos que desejaram orar juntamente com eles. Muitos receberam o dom de línguas juntos!

Um primeiro grupo de estudantes de Duquesne, como relata Patti, também passou alguns dias no Verão de 1967 em Nova York com o Reverendo Harald Bredesen, em um retiro de oração ecumênico para jovens.

É também importante saber que a Universidade de Notre Dame (o grande centro de propagação do Batismo no Espírito da Igreja Católica em todo o mundo), onde foram criados os primeiros grupos de oração possuia também abertura ecumênica. Foram os seus estudantes, que juntamente com os da Universidade Estadual de Michigan, também no Verão de 1967, organizaram a primeira conferência entre os carismáticos. 

Entendi finalmente ou novamente o porquê o Papa Francisco já afirmou e reafirmou este carácter e esta missão ecumênica da Renovação! Apesar de sofrermos até hoje preconceitos de tantos de nossos irmãos católicos (clérigos, religiosos e leigos) que nos chamam pejorativamente de “protestantes”, e nos acusam de “protestantilizar” nossas comunidades eclesiais, não podemos negar que resgatamos a dimensão carismática da Igreja. Não podemos negar que redescobrimos os dons espirituais e a experiência com o Espírito Santo como normal e normativa em nossa vida cristã diária! Por outro lado, também (sobretudo a partir destes cinquenta anos, depois de termos tido tempo suficiente para saber quem somos e para onde somos chamados a ir) não podemos mais negar que temos na Igreja mais condições de diálogo, oração e atitudes ecumênicas para com os cristãos não católicos que as outras realidades eclesiais católicas. Prova disso é que o Papa Francisco pessoalmente exigiu da Comissão que organiza o Jubileu de Ouro em Roma uma programação ecumênica! Foi uma ordem do Papa! 

Minha espinha desceu da garganta ao recordar e tomar novamente o texto do Papa ao encontrar-se com a RCC em Junho de 2014 em Roma. Ali, de maneira explicita, ele já falava desta “Missão Ecumênica da RCC”! Vamos recordar (o grifo é meu):

“(…) Me pediram para dizer o que o Papa espera da Renovação.

A primeira coisa é a conversão ao amor de Jesus que muda a vida e faz do cristão uma testemunha do Amor de Deus. A Igreja espera esse testemunho de vida cristã e o Espírito nos ajuda a viver a coerência do Evangelho para a nossa santidade.

Espero de vocês que partilhem com todos, na Igreja, a graça do Batismo no Espírito Santo (expressão que se lê nos Atos dos Apóstolos).

Espero de vocês uma evangelização com a Palavra de Deus que anuncia que Jesus é vivo e ama a todos os homens.

Que vocês deem um testemunho de ecumenismo espiritual com todos os irmãos e irmãs de outras Igrejas e comunidades cristãs que creem em Jesus como Senhor e Salvador.

Que vocês permaneçam unidos no amor que o Senhor Jesus pede a nós e a todos os homens, na oração ao Espírito Santo para chegar a esta unidade, que é necessária para a evangelização, em nome de Jesus. Lembrem-se que a “Renovação Carismática é por sua própria natureza ecumênica … a Renovação Católica se alegra com aquilo que o Espírito Santo realiza em outras Igrejas” (1 Malines 5,3 )”. 


Para que o Espírito Santo impulsa a Renovação após 50 anos?

Um novo tempo, uma nova visão, uma nova maturidade, novas atitudes! Tudo marcado pela sede e pela fome da busca pela Unidade, pelo Ecumenismo espiritual! Um Avivamento de Unidade! Um Pentecostes de Comunhão! Sejamos um bálsamo, um santo crisma do Espírito sobre as feridas causadas pela nossas divisões históricas e existenciais! 

Vem Espírito Santo! Vem reconstruir o que humanamente parecia impossível! Vem Espírito do Impossível gera a Unidade no Corpo de Cristo preparando a Sua Esposa para as Núpcias do Cordeiro! Amém Aleluia!

Por Padre Dudu
@dudueduardobraga

Março de 2017
Ano do Jubileu de Ouro da RCC